Assim como outras religiões, o cristianismo possui normas e valores "divinos" que devem ser obedecidas por todos os seus seguidores.
A palavra moral, em sua essência, está diretamente ligada às normas e valores herdadas do passado. Ela possui um sentido daquilo que é transmitido, um código de comportamentos e juízos já construídos, mais ou menos cristalizados; constitui-se em um conjunto fixo e acabado de normas e regras. É da natureza do cristianismo admitir que o homem não é capaz, reduzido apenas às suas próprias forças, aos seus sentidos e à razão, descobrir a plenitude das verdades e dos valores. Assim, o sentido moral da religião cristã reside, exatamente, em aceitar que somente Deus sabe o que é certo em relação a qualquer coisa. Essa certeza foi transmitida pelos escolhidos e encontra-se escrita e registrada na Bíblia.
Deus fala e instrui os homens com seus preceitos, declarando-lhes quais são as vias retas da vida humana. As regras da vida humana são ensinadas do alto, seu conhecimento nos é dado pela fé, não pela razão. A humanidade se encontra, assim, na presença de uma moral revelada. Essa é dada ao homem com a autoridade infalível, incontestável e absoluta da palavra de Deus. A ordem moral adquire, com isso, uma fixidez, uma solidez, um rigor que se traduz em determinações incondicionais e em exigências absolutas. Todos aqueles que obedecem e seguem essas regras, possuem a chamada fé religiosa. Essa fé é mais de que uma crença; é uma confiança em Deus. Por isso, o religioso é aquele que se inclina diante das vontades de Deus, em uma atitude de "humilhação" e adoração. Sua verdadeira prece é aquela que nada mais pede além da coragem de suportar a vontade de Deus: "que seja feita a Tua vontade".
Somos pecadores, não temos condições de traçar qualquer regra de vida boa, assim, para caminharmos bem, precisamos seguir as ordenações de Deus; mas, antes, necessitamos do seu perdão. É preciso transcender a condição humana pela Graça de Deus. O sentido moral do cristianismo soa, portanto, como absoluto: só há um único caminho certo; uma única verdade e uma única forma de se viver plenamente: o Cristo, a fonte de toda moral. E a fé de um cristão o dispensa de colocar a si mesmo qualquer questão sobre o sentido da vida. Mas, não basta dizer "eu creio", "eu vou à Igreja", "eu tenho a minha fé". É necessário aceitar os valores propostos pelo Evangelho e agir no concreto em consonância com os mesmos.
Todo o sentido moral do cristianismo encontra-se fundamentado em um Deus imutável "Eu, o SENHOR, não mudo" (Ml:Malaquias 3:6), que não mente: "é impossível que Deus minta" (Hb 6:18) e, principalmente, que é amor: "Deus é amor" (1 João 4:16). Este último atributo define a essência desse Deus. Assim, a moral cristã está ancorada, não na vontade arbitrária de um poder supremo, mas, sim, na natureza imutável de um Deus amoroso e justo (Dt 32:4). A moral cristã possui uma característica absoluta. Esta característica está fundamentada na crença num Deus infinitamente perfeito que almeja que os homens sejam bons de acordo com a perfeição imutável da Sua própria natureza: "Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste" (Mt 5:48).
Para o cristianismo, o homem não cria a moral, o máximo que ele faz é descobri-la. Os valores sobre os quais os princípios morais são baseados não são o resultado de mera decisão humana. São determinados por Deus e desvendados pela revelação ao homem. Os homens decidem, naturalmente, se aceitarão os valores que descobriram. Como criaturas livres, são livres para rejeitar qualquer valor. Para o cristianismo, Deus é totalmente bom, sendo assim, Ele, e somente Ele, tem as melhores condições para declarar o que é valioso e o que não é valioso para criaturas finitas.
A ideia de moral, no sentido cristão, tem como fonte Deus. Assim, acredita que a origem da sua moralidade é infinitamente superior a qualquer moral meramente humanista. Cristo é para o cristianismo o exemplo moral completo. Assim, a moralidade, para o cristianismo não é o mero assentimento legalista a um código escrito; é um relacionamento dinâmico com uma pessoa viva. A essência da moralidade não é o amor de leis abstratas; é o amor de uma pessoa, Jesus Cristo, e através dEle e por meio dEle o amor a todas as pessoas (Mt 22:36, 37)).
Na perspectiva do cristianismo, Deus é amor, e Cristo é o amor de Deus manifestado na forma pessoal. A lei, ou a Palavra de Deus escrita é o amor manifestado em forma proposicional. A lei moral é o modo de Deus colocar o amor em palavras. Essa lei moral, portanto, pode dizer-nos o que é melhor para nós e exortar-nos a fazê-lo; mas lei moral não pode forçar-nos a conformar-nos. O amor sempre deixa espaço para dizer "não". O sentido moral do cristianismo pode então ser resumido no seguinte: possui uma fonte superior (Deus), uma manifestação superior (Jesus Cristo), uma declaração superior (a Bíblia) e uma motivação superior (o amor de Cristo). O sentido moral da religião é tão forte entre os homens, que mesmo aqueles que não creem, suas crenças morais são marcadas fortemente pela religião. Isto é, a grande parte das ideias morais é moldada pela religião. E não importa se o indivíduo acredita ou não em Deus.
(José João Neves Barbosa Vicente, filósofo, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e editor da Griot – Revista de Filosofia)
Por José João Neves Barbosa Vicente - Diário da Manhã