Especialistas comentam diferenças entre salmão selvagem e de cativeiro

Cada vez mais presente na mesa dos brasileiros, o salmão costuma ser tratado como um aliado quando o assunto é alimentação saudável. Além de ser uma boa fonte de proteína, é um peixe rico em ômega 3, que melhora o humor e previne doenças cardiovasculares, o alzheimer e a depressão, segundo especialistas. Contudo, as propriedades do salmão selvagem – pescado de maneira natural - são diferentes do salmão cultivado em cativeiro, como o que consumimos no Brasil.

Publicidade

"Natural das costas do Atlântico Norte e Pacífico, o salmão normalmente nasce em água doce, migra para o oceano e retorna à água doce para se reproduzir. Esses animais são intensamente produzidos por aquicultura (cultivo de organismos aquáticos em cativeiro) em muitas partes do mundo, como os lagos da América do Norte, da Escandinávia e os lagos Chilenos", explica a nutróloga Marcella Garcez, membro da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia).

Porém, o salmão preparado em restaurantes ou vendido em supermercados na América e na Europa é, em sua maioria, proveniente de criações em viveiros. Segundo Melanie Whatmore, gerente da marca Salmón de Chile, que exporta salmão para o Brasil, o país é o terceiro maior mercado importador de salmão no mundo, atrás apenas de Japão e Estados Unidos.

Presença de ômega 3

O principal ponto que difere o salmão natural do criado em cativeiro é a presença de ômega 3. "O salmão selvagem é essencialmente carnívoro e se alimenta, entre outras coisas, de algas oceânicas e fitoplâncton, fontes de ômega 3. Em contrapartida, o mesmo pescado produzido em cativeiro é alimentado com ração, que não possui esse ácido graxo", diz Vivian Suen, médica nutróloga e diretora da Abran.

O salmão converte e armazena o ômega 3 que ingere, contudo não tem capacidade de sintetizá-lo. "Por isso, apenas o salmão pescado em seu ambiente natural possui ômega 3", ressalta Suen.

A Salmón de Chile não confirma a informação.

Pigmentação artificial

Outro detalhe é que o salmão de cativeiro é colorido artificialmente. A cor característica do salmão é reflexo do tipo de alimentação do peixe durante seu crescimento. "Para o salmão de viveiro ficar com a cor igual ao selvagem, que se alimenta principalmente de outros peixes, pequenos crustáceos e algas, são adicionados à ração carotenoides como a astaxantina e a cantaxantina", afirma Garcez.

A principal fonte desses carotenoides é a alga de água doce Haemococcus pluvialis. "O consumo excessivo destes pigmentos pode causar intoxicação e alergias", alerta Garcez.

Em 2004, a revista Science publicou uma pesquisa coordenada pela State University de Nova York, em Albany (EUA), que afirmava que o salmão de cativeiro era um inimigo da saúde porque esses pigmentos eram substâncias cancerígenas. Segundo o relatório produzido por cientistas norte-americanos e canadenses, duas toneladas métricas de carne de salmão em estado selvagem e criado em cativeiro foram analisadas para chegar a essa conclusão.

Contudo, Garcez explica que o relatório traz poluentes e pesticidas que podem ser encontrados no salmão de cativeiro, mas que eles não são resultado da pigmentação artificial ou da ração dada aos peixes. "O problema é que o ambiente artificial em que esses peixes são criados é mais suscetível ao aparecimento de patologias microbiológicas que por anos eram combatidas com substâncias tóxicas, como o Dieldrin e Toxafeno, que contaminaram o ecossistema local de tal forma que o ambiente ainda não se livrou delas", explica Garcez.

Chile

Questionada sobre o estudo, a gerente de marca Salmón de Chile, que enviou ao Brasil mais de 67 mil toneladas de salmão em 2012, responde: "A produção desse pescado no Chile está de acordo com os níveis internacionais de qualidade e possui as certificações ISO 9001, GlobalGAP, BAP e Global Aquaculture Alliance, organizações que certificam a qualidade de produtos agrícolas em todo o mundo", afirma Whatmore.

A médica nutróloga Marcela Garcez, que visitou a produção de salmão de cativeiro no Chile, explica que a versão produzida em viveiro tem um ciclo de vida muito diferente daqueles que vivem livres na natureza e que a principal desvantagem é o risco de proliferação de doenças, sejam elas parasitárias, bacterianas ou virais, nestes indivíduos que vivem em espaço reduzido e artificial.

Laís Peterlini
Do UOL, em São Paulo

CONTRA-PONTO

Estudos indicam que salmão de cativeiro contém, sim, ômega 3 Assim como nós, o salmão não produz o ômega 3. Ele se alimenta de peixes menores, moluscos e crustáceos que consomem algas e plânctons, como se os reciclasse, e assim obtêm o ômega 3 e sua famosa cor rosada.

A médica veterinária Yara Aiko Tabata, pesquisadora científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios, da Secretaria de Agricultura do Estado de São Paulo, conta que o salmão cultivado é alimentado com ração à base de farinha e óleo de peixe, que contém ômega 3. "Se formos comparar, o selvagem teria maiores índices de ômega 3, pois a quantidade destes ingredientes na ração é controlada, mas depende de onde ele vive e do que come".

A zootecnista Ligia Uribe Gonçalves, pesquisadora da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz) da Universidade de São Paulo (USP), trabalha com nutrição de peixes e explica que a série ômega 3 é composta, principalmente, pelos ácidos graxos linolênico (ALA), eicosapentaenoico (EPA) e docosaexaenoico (DHA).

"Os ácidos graxos EPA e DHA são essenciais para o salmão, essa espécie não consegue sintetizar esses nutrientes. Dessa forma, eles são exigidos em sua ração, sendo que a sua deficiência pode cessar o crescimento, além de provocar patologias como erosão das nadadeiras, palidez e aumento do volume do fígado, miocardite, lordose, redução do potencial reprodutivo, síndrome do choque e até a morte do animal", explica a zootecnista.

Farinha de peixe

Segundo o biólogo Ricardo Tsukamoto, formado pela USP e com doutorado em ciências aquáticas, a região do Peru e do Chile é a maior produtora de farinha de peixe do mundo, a partir de pequenas sardinhas. "A região apresenta ótimas condições de produtividade natural graças à Corrente de Humboldt. Trata-se de uma corrente oceânica em que a água rica em nutrientes do fundo do mar sobe à superfície do Oceano Pacífico, acompanhando as costas desses dois países, na América do Sul, e gerando uma grande quantidade de plâncton, que serve de alimento a muitos peixes", conta.

"O salmão em cultivo se alimenta de ração baseada em farinha de peixe e as sobras da industrialização desse peixe são recicladas como ração para o cultivo do próprio animal. Elas se transformam em farinha e o óleo retirado do peixe pode ser usado em cápsulas para consumo humano", descreve Tsukamoto.

A nutróloga Marcella Garcez , diretora da Abran (Associação Brasileira de Nutrologia) , explica que para que cada quilo de salmão produzido em cativeiro são precisos aproximadamente quatro quilos de outros peixes para a feitura da ração.

A zootecnista da Esalq conta, ainda, que a produção de farinha de peixe também pode ser feita a partir de peixes menores capturados em pescarias e que não são atraentes comercialmente. "Só que isso não é sustentável. Hoje, os nutricionistas substituem parte da farinha e óleo de peixe por ingredientes vegetais à ração". Ela acrescenta que há estudos demonstrando que salmões criados possuem até maior quantidade de ômega 3 (especialmente EPA e DHA) do que espécies selvagens.

"É bem provável que o peixe de cativeiro tenha mais gordura que o da natureza, porque ele não nada, não 'pratica exercícios' como o selvagem e, assim, fica mais gordinho. E quanto mais gordura originária do mar, mais ômega 3 ", diz Tsukamoto.

Ômega 3 e 6

Porém, Garcez chama a atenção para outro fato: "A indústria de salmão procura baratear os custos adicionando óleo vegetal, que tem muito ômega 6, à ração, e modifica seu perfil lipídico. É uma gordura manipulada, o que faz o peixe engordar em um ambiente fechado".

Segundo ela, a carne é própria para consumo: "Se não fosse, não seria produzida", diz. Mas, para a especialista, não dá para dizer que o peixe de cativeiro é melhor que o selvagem. "Pois há a presença de pigmentos e até de grãos que não fazem parte da alimentação natural do salmão."

Estudos sobre a composição nutricional do salmão de cativeiro confirmam essa presença maior de ômega 6 em comparação ao selvagem.

"O ômega 6 também é essencial para nosso organismo. Não é prejudicial, nem inflamatório, como se disseminou por aí, se consumido devidamente", afirma Garcez. Ela ensina que o ideal seria o consumo de quatro partes de ômega 6 para uma parte de ômega 3. "Porém, na dieta ocidental, são de dez até 50 partes de ômega 6 para apenas uma de ômega 3. Ou seja, seu consumo em excesso, esse sim, propicia o surgimento de inflamações."

Produção

Em termos de produção de salmão, no mundo, o Chile só perde para a Noruega, segundo Tsukamoto.

Garcez, porém, lembra que o salmão não existia no Chile e foi "importado". "Ele existe no Pacífico e no Atlântico Norte, onde se alimenta de moluscos e crustáceos, ganhando seu tom cor de rosa, graças às astaxantinas [carotenoides naturais das algas ingeridas por esses organismos]. Porém, a região do Chile também é propícia para sua criação. Só não sabemos o que poderá acontecer com o passar dos anos, com questões ambientais, e se vai haver uma mudança genética, por exemplo."

Como o peixe é produzido em grande escala, as chances de uma bactéria, por exemplo, se alastrar, são grandes: "Nos cultivos, a densidade é alta, de 40 a 50 kg de peixe/m³. Se surge uma doença, causada por vírus, bactérias ou parasitas, ela se propaga muito rapidamente. Na natureza, os peixes morrem em grandes quantidades geralmente quando há desastres como vazamento de petróleo, por exemplo", comenta Tabata.

Já a pesquisadora da Esalq ressalta que os estoques pesqueiros estão estagnados devido à intensificação da pesca e que a aquicultura é uma alternativa para suprir o mercado consumidor. "Nós, nutricionistas de peixes, estamos trabalhando para produzir peixes confinados com boa composição nutricional, assim como os selvagens. Não devemos incentivar a preferência por consumo de peixes capturados em detrimento dos peixes cultivados", comenta.

O mito dos corantes

Segundo Garcez, havia um boato correndo pela internet de que o corante dado ao salmão de cativeiro derivava do petróleo. "Estudos demonstram que há mais concentração de toxinas, em ambientes artificiais, sim. Claro que na vida selvagem também há contato com várias toxinas da vida moderna (também chamadas disruptores endócrinos que são responsáveis por várias alterações orgânicas), porém a natureza se renova com mais facilidade", diz. Já nos criadouros não há correntes, nem renovação de água como num espaço aberto.

Tsukamoto discorda: "O pigmento do salmão vem de um carotenoide natural dos crustáceos, que, inclusive, tem propriedades antioxidantes e anticancerígenas. Os peixes que estão no cativeiro, sem acesso aos crustáceos, recebem este pigmento, que é fabricado, mas sua molécula é similar à natural. O pigmento fabricado é a cópia da molécula existente na natureza, da mesma forma que a aspirina é a cópia industrial da substância analgésica de uma árvore".

Tabata completa: "O que dá a coloração salmonada é o pigmento astaxantina produzido principalmente pelas algas. Se o salmão está na natureza, vai se alimentando de outros animais que comeram estas algas e, assim, esse carotenoide é depositado em sua musculatura. Em cativeiro, sem acesso ao alimento natural, o salmão teria a carne branca. A obtenção da astaxantina 'natural' é um processo caro e o pigmento usado nos cultivos dos salmonídeos é o sintetizado, obtido artificialmente, mas similar ao original".

Guerra comercial

Algo que já é mais conhecido fora do país, mas que vem se tornando popular no Brasil, especialmente graças às redes sociais, é que há também interesses econômicos por trás do que se propaga sobre a diferença entre o salmão selvagem e o do cativeiro.

"Há uma guerra entre o salmão vindo do Chile e do salmão vindo do Alasca", admite Tsukamoto. "O que vem do Alasca, selvagem, é mais caro, pois seu volume é pequeno. Não acho que seja tão sustentável como o de cativeiro, afinal, mesmo controlada, a pesca extrai um animal escasso da natureza. Há esta tentativa de denegrir o pescado produzido em cultivo, para justificar um preço maior para o capturado. E quem sai perdendo é o consumidor."

Atualmente, praticamente todo salmão comercializado no Brasil é de origem chilena, segundo a assessoria de imprensa do Ministério da Pesca e Aquicultura. Em setembro, no entanto, o salmão do Alasca passará a ser vendido no país, de acordo com a agência de marketing do governo do Estado americano.

Nada em excesso

Para a nutróloga, a grande pergunta que o consumidor deve fazer não é se o salmão tem ou não ômega 3, mas qual sua procedência. Isso porque o de cativeiro, por ser criado em um ambiente diferente ao da natureza, está mais suscetível a doenças e intoxicações. "Portanto, ao consumir peixes, ficamos dependentes de um rigoroso controle de qualidade destes produtos, e seu consumo excessivo pode aumentar o risco de intoxicações."

Ela explica que no cativeiro há uma dependência total de um bom aporte de ácidos graxos para que o salmão os converta e concentre. Isso porque, pela sua estrutura química, com várias duplas ligações, os ácidos oxidam facilmente. "Também por este motivo as rações devem ter estrito controle, ou seja, a qualidade da carne, como dos ácidos graxos, depende exclusivamente da empresa produtora dos mesmos".

A nutróloga, no entanto, não é contra o consumo do peixe: "Não é que não se pode comer salmão de cativeiro. Só não é para se comer todos os dias. As pessoas acham que o salmão é mais gostoso e saudável e ignoram os demais peixes. Existem opções mais baratas, como sardinhas e atum, que também são ricas em ômega 3. Até mesmo enlatados e com óleo possuem qualidades". O importante, ela frisa, é fugir da monotonia alimentar.

Cármen Guaresemin
Do UOL, em São Paulo